Morreu Herberto Helder, o poeta dos poetas
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- Morreu Herberto Helder
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- Morreu o poeta Herberto Helder aos 84 anos
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- Herberto Hélder (1930-2015)
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- Herberto Helder. Apresentação de um rosto
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A entrevista que Herberto Helder escreveu para um revista que depois desapareceu, Luzes da Galiza. Foi publicada no PÚBLICO a 4 de Dezembro de 1990. DOWNLOAD
As turvações da inocência
Morreu Herberto Helder, o poeta dos poetas
Morreu o poeta Herberto Helder
O poeta, que nasceu em 1930 no Funchal, morreu em casa, em Cascais.
- Um mestre de linguagem sem paralelo, diz Nuno Júdice
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- Herberto Helder: 57 anos de poesia em dezenas de obras publicadas
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Herberto Helder: 57 anos de poesia em dezenas de obras publicadas
"A
morte sem mestre", o livro de inéditos escrito em 2013, publicado em
junho de 2014, já esgotado, foi o último título do poeta Herberto
Helder, falecido aos 84 anos na segunda-feira na sua casa em Cascais.
A
obra foi publicada na Porto Editora, que também no ano passado publicou
a poesia completa em "Poemas completos", obra que segue a fixação
empregue na edição anterior, "Ofício cantante", e inclui os esgotados
"Servidões", foi considerado pela crítica literária como o livro do ano
em 2013, e "A morte sem mestre".
Herberto Helder estreou-se literariamente em 1958 com a obra "O Amor em visita", à qual se seguiu, os títulos "A colher na boca", "Poemacto" e "Lugar", editados nos princípios da década de 1960.
O poeta madeirense começou a trabalhar para a Emissora Nacional como redactor do noticiário internacional e publicou, entretanto, "Os passos em Volta", obra reeditada pelo Porto Editora, em janeiro último.
Em 1968, envolveu-se na publicação de "Filosofia na Alcova", do Marquês de Sade, que desencadeou um processo judicial no qual foi condenado, com pena suspensa, o que não impediu que fosse despedido da rádio oficial.
Neste mesmo ano publicou "Apresentação do Rosto", uma autobiografia, livro que foi apreendido pela Censura.
Em 1969 tornou-se diretor literário da Editorial Estampa, onde começou a publicar a obra completa de Almada Negreiros.
Depois de ter trabalhado como repórter de guerra em Angola, partiu para os Estados Unidos, em 1973, ano em que publicou "Poesia Toda", reunindo a sua produção poética até então, e fez uma tentativa falhada de publicar "Prosa Toda".
A Portugal, voltou só depois do 25 de Abril, já em 1975, para trabalhar na rádio e em revistas, como meio de sobrevivência, tendo sido editor da revista literária Nova, de que se publicaram apenas dois números.
Depois de publicar, nos anos seguintes, mais algumas obras, entre as quais "Cobra" (1977), "O Corpo, o Luxo, a Obra" (1978) e "Photomaton & Vox" (1979), remeteu-se ao silêncio.
Em 1977 enviou uma carta à revista Abril, endereçada a Eduardo Prado Coelho, na qual sobre si escreveu: "O que é citável de um livro, de um autor? Decerto a sua morte pode ser citável. E, sobretudo, o seu silêncio".
Por isso, pediu aos amigos que não falassem dele num documentário que António José de Almeida pretendia realizar para a RTP2, em 2007.
O documentário, "Meu Deus, faz com que eu seja sempre um poeta obscuro", acabou por ser feito, mas apenas adensou o mistério em torno da figura do poeta, já que 17 das 29 pessoas contactadas pela produção se recusaram a dar o seu testemunho.
Em 2008 publicou "A faca não corta o fogo -- Súmula & Inédita", sucedendo-se no ano seguinte "Ofício Cantante".
Segundo a Porto Editora, Herberto Helder é um "poeta maior que ficará entre a meia dúzia de nomes incontornáveis da poesia portuguesa do século XX". #
Herberto Helder estreou-se literariamente em 1958 com a obra "O Amor em visita", à qual se seguiu, os títulos "A colher na boca", "Poemacto" e "Lugar", editados nos princípios da década de 1960.
O poeta madeirense começou a trabalhar para a Emissora Nacional como redactor do noticiário internacional e publicou, entretanto, "Os passos em Volta", obra reeditada pelo Porto Editora, em janeiro último.
Em 1968, envolveu-se na publicação de "Filosofia na Alcova", do Marquês de Sade, que desencadeou um processo judicial no qual foi condenado, com pena suspensa, o que não impediu que fosse despedido da rádio oficial.
Neste mesmo ano publicou "Apresentação do Rosto", uma autobiografia, livro que foi apreendido pela Censura.
Em 1969 tornou-se diretor literário da Editorial Estampa, onde começou a publicar a obra completa de Almada Negreiros.
Depois de ter trabalhado como repórter de guerra em Angola, partiu para os Estados Unidos, em 1973, ano em que publicou "Poesia Toda", reunindo a sua produção poética até então, e fez uma tentativa falhada de publicar "Prosa Toda".
A Portugal, voltou só depois do 25 de Abril, já em 1975, para trabalhar na rádio e em revistas, como meio de sobrevivência, tendo sido editor da revista literária Nova, de que se publicaram apenas dois números.
Depois de publicar, nos anos seguintes, mais algumas obras, entre as quais "Cobra" (1977), "O Corpo, o Luxo, a Obra" (1978) e "Photomaton & Vox" (1979), remeteu-se ao silêncio.
Em 1977 enviou uma carta à revista Abril, endereçada a Eduardo Prado Coelho, na qual sobre si escreveu: "O que é citável de um livro, de um autor? Decerto a sua morte pode ser citável. E, sobretudo, o seu silêncio".
Por isso, pediu aos amigos que não falassem dele num documentário que António José de Almeida pretendia realizar para a RTP2, em 2007.
O documentário, "Meu Deus, faz com que eu seja sempre um poeta obscuro", acabou por ser feito, mas apenas adensou o mistério em torno da figura do poeta, já que 17 das 29 pessoas contactadas pela produção se recusaram a dar o seu testemunho.
Em 2008 publicou "A faca não corta o fogo -- Súmula & Inédita", sucedendo-se no ano seguinte "Ofício Cantante".
Segundo a Porto Editora, Herberto Helder é um "poeta maior que ficará entre a meia dúzia de nomes incontornáveis da poesia portuguesa do século XX". #
RTP | Transmissão do documentário “Herberto Helder - Meu Deus faz com que eu seja sempre um poeta obscuro”
A RTP2 presta homenagem a um dos maiores poetas portugueses da segunda
metade do século XX com o documentário: “Herberto Helder - Meu Deus faz
com que eu seja sempre um poeta obscuro”.
Herberto Helder nasceu na Madeira em 1930 e virou costas à ilha para partir à aventura pela Europa. Passou pela Universidade de Coimbra mas desistiu por achar que isso não acrescentava nada à sua formação. Andou à deriva por vários países da Europa onde teve profissões tão variadas como guia de marinheiros em bairros de prostitutas, cortador de legumes, empregado de restaurante, empacotador de aparas de papel e estivador. Deu largas à sua imaginação nas retretes privadas de Paris. Viveu momentos de precariedade e chegou a passar fome. Regressou a Lisboa, passando a viver da própria escrita.
Reconhecido como um dos maiores poetas portugueses contemporâneos, Herberto Helder é mesmo apontado como uma referência na poesia portuguesa depois de Fernando Pessoa. O universo enigmático e metafórico da a sua poesia leva-nos a uma dimensão cósmica que se aproxima das grandes leis que regem os movimentos da natureza.
Mas Herberto Helder não é só um poeta. Os livros que escreveu em prosa também marcaram a diferença, sobretudo pela linguagem ousada e sem preconceitos. É em obras como “Os Passos em Volta” e “Photomaton & Vox” que podemos encontrar um maior número de referências autobiográficas.
Tal como a sua poesia, Herberto Helder foi sempre para o público uma personalidade enigmática. Recusou o Prémio Pessoa e com ele mais de 35 mil euros. Foi proposto pelo Pen Clube de Portugal como português candidato ao Prémio Nobel da Literatura. Mas ninguém duvida que, caso viesse a ganhar o mais alto galardão internacional da literatura, Herberto Helder seria mais um autor a recusar o prémio, tal como fez Jean-Paul Sartre. #
Realização: António José de Almeida
Autoria e Argumento: Anabela Almeida
Produção: Panavideo
Herberto Helder nasceu na Madeira em 1930 e virou costas à ilha para partir à aventura pela Europa. Passou pela Universidade de Coimbra mas desistiu por achar que isso não acrescentava nada à sua formação. Andou à deriva por vários países da Europa onde teve profissões tão variadas como guia de marinheiros em bairros de prostitutas, cortador de legumes, empregado de restaurante, empacotador de aparas de papel e estivador. Deu largas à sua imaginação nas retretes privadas de Paris. Viveu momentos de precariedade e chegou a passar fome. Regressou a Lisboa, passando a viver da própria escrita.
Reconhecido como um dos maiores poetas portugueses contemporâneos, Herberto Helder é mesmo apontado como uma referência na poesia portuguesa depois de Fernando Pessoa. O universo enigmático e metafórico da a sua poesia leva-nos a uma dimensão cósmica que se aproxima das grandes leis que regem os movimentos da natureza.
Mas Herberto Helder não é só um poeta. Os livros que escreveu em prosa também marcaram a diferença, sobretudo pela linguagem ousada e sem preconceitos. É em obras como “Os Passos em Volta” e “Photomaton & Vox” que podemos encontrar um maior número de referências autobiográficas.
Tal como a sua poesia, Herberto Helder foi sempre para o público uma personalidade enigmática. Recusou o Prémio Pessoa e com ele mais de 35 mil euros. Foi proposto pelo Pen Clube de Portugal como português candidato ao Prémio Nobel da Literatura. Mas ninguém duvida que, caso viesse a ganhar o mais alto galardão internacional da literatura, Herberto Helder seria mais um autor a recusar o prémio, tal como fez Jean-Paul Sartre. #
Realização: António José de Almeida
Autoria e Argumento: Anabela Almeida
Produção: Panavideo
A morte ganhou o mestre. Morreu Herberto Helder
Herberto Helder. Apresentação de um rosto
Esqueça-se o poeta que recusa prémios, o
autor que nega aparecer publicamente. Esqueça-se o escritor misantropo, o
recluso. Herberto Helder é mais do que isso. Só ele habita o mundo
poético da sua vida. Autor tabu, assim se pode considerar", nas palavras
de Manuel Rosa, o seu editor (Assírio & Alvim), Herberto Helder
conseguiu a obscuridade que sempre desejou e tornou-se o mito que os
seus mais próximos compagnons de route ajudaram a criar.
Escrever sobre o poeta é "matéria impossível",
dizem-nos. O "bloqueio" é imediato. O autor não dá entrevistas, não fala
a jornalistas, não gosta, não quer. "Vive ermitado". O medo, um dos
seus temas favoritos, reina na corte dos (poucos) que com ele privam e
lhe prestam vassalagem. Ninguém quer dizer seja o que for sobre a
figura. "Ele pode não ficar satisfeito", "é complicado", "não sou a
pessoa indicada". O rol de desculpas multiplica-se em cada telefonema.
Sabemos que Herberto "está inquieto". "Foi avisado de que o Expresso
queria fazer um trabalho sobre ele", dizem-nos. Correm boatos. Fecham-se
mais portas e volta a expressão - "matéria impossível".
Há, no entanto, uma vontade mais forte que o medo,
mera cobardia (afinal), que é a do protagonismo. Sussurra, soa baixinho:
Somos nós os únicos, os privilegiados que convivemos com ele! E, em
off, é possível falar dele mesmo que ele "fique zangado" (o que será
sempre uma incógnita, uma vez que "não há artigo sobre a sua pessoa e
obra que não colecione religiosamente").
O medo, esse medo verdadeiro e puro, obsessivo e majestoso, fica só para o poeta. Mestre.
Ícone maior da poesia portuguesa do (pós)-surrealismo. Medo visceral como cada uma das suas palavras, mas sempre em busca da respiração folgada, espécie de libertação, só alcançável através do mais ardiloso "ofício" da Criação. Absoluta e divina. Herberto Helder apresenta-se ao mundo como o Criador.
Ícone maior da poesia portuguesa do (pós)-surrealismo. Medo visceral como cada uma das suas palavras, mas sempre em busca da respiração folgada, espécie de libertação, só alcançável através do mais ardiloso "ofício" da Criação. Absoluta e divina. Herberto Helder apresenta-se ao mundo como o Criador.
É-o na esfera sagrada daquela poesia torturada e
torturante. Avassaladora. Doentia para um espírito em mutação constante,
infinitamente à procura da perfeição à qual sabe nunca poder chegar. E é
nesse universo de dor insuportável, de luta física e mental, que
Herberto Helder expõe os seus fantasmas preferidos. A morte, o crime, o
suicídio, o apocalipse, o génesis, o corpo (matéria orgânica sublime na
capacidade de se metamorfosear), o ritual, a alquimia (assentes num
culto do mundo vegetal maçónico, dirão alguns), o canto, a voz que o
canta, a palavra, obsessivamente a palavra (corpo de trabalho do
artesão/ poeta em tudo semelhante à madeira ou à pedra esculpidas à
mão), a palavra monstruosa, tão aterradora quanto o amor que atravessa
toda a sua obra. Paixão e sangue aproximam-se da salvação no messianismo
herbertiano onde a destruição (da obra) é a única saída, transformada,
porém, numa exaltação cada vez mais extrema da violência.
Porém, Herberto Helder Luís Bernardes de Oliveira
(Funchal, 23 de Novembro de 1930) é um"cidadão pacífico". Vítor Silva
Tavares, que o editou primeiro na Ulisseia e mais tarde na & Etc.,
descreve-o assim emuitos outros o consideram avesso a todo o tipo de
confronto físico. "Exaltava-se sim por uma boa comezaina, um cozido, uma
feijoada..." "O cidadão Herberto revela uma outra faceta. Com aquele ar
sereno, aquela barba que lhe rodeia o rosto largo, a testa ampla,
aquele ar transpirando bondade, se quiséssemos, é portador de um sentido
de humor por vezes não detetável à primeira. É um humor subterrâneo o
de Herberto Helder, vem-lhe daquele olho seco, não é um humor exposto.
Mesmo entre amigos, esta faceta é um possível
detalhe da imagem de si próprio que queria revelar para ocultar o ser
mais profundo", retoma Vítor Silva Tavares.
É umrapaz tímido aquele que chega a Lisboa aos 16
anos para acabar o curso liceal. O mesmo que em 1948 se matricula na
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, para depressa mudar
para a Faculdade de Letras, cujo o curso de Filologia Românica frequenta
durante três anos. Instala-se na Real República Palácio da Loucura. No
quarto que tomou para si ainda hoje permanece o grafito de um poema por
si aí escrito. Nele, Herberto conta a história que quer que seja a sua. O
seu desprezo pelo academismo é conhecido e aqui bem delineado numa
ânsia trágica, por isso heróica, de agarrar para si a sina do vagabundo.
Os anos 50 vão a meio. Poesia e vagabundagem, uma e a mesma filosofia de vida, a de muitos e aquela que adota também para si.
Começa a publicar poemas avulso, entre Coimbra e Lisboa. Na capital trabalha algum tempo na Caixa Geral de Depósitos, mais tarde como angariador de publicidade e outros biscates de rendimento baixo que, entre outras razões, o levam a sediar-se numa casa de passe.
Começa a publicar poemas avulso, entre Coimbra e Lisboa. Na capital trabalha algum tempo na Caixa Geral de Depósitos, mais tarde como angariador de publicidade e outros biscates de rendimento baixo que, entre outras razões, o levam a sediar-se numa casa de passe.
O chamado Grupo do Café Gêlo - a saber, Mário
Cesariny, Luiz Pacheco (seu primeiro editor em 1958, "O Amor em
Visita"), António José Forte, João Vieira, Hélder Macedo - é o universo
intelectual (palavra que abjeta) que mais o atrai. Menos, muito menos
exuberante e de personalidade bem mais apática, "ouve mais do que
intervém". E é com dificuldade que consegue atrair as atenções de
Cesariny para um primeiro poema que lhe pretende mostrar.
A edição do seu primeiro livro, no entanto, cai como
uma verdadeira pedrada no charco. "Escrevi um texto que, através do seu
errante imaginário, afirmava que um facho feroz tinha atravessado o
gelo, todas as palavras frias, falsas, e que era inaugurada/-desvendada
uma outra estação para a Poesia no Mundo, pós Fernando Pessoa", diz, em
"A Obra ao Rubro", Rui Mendes (à época codiretor do "Jornal de Poesia") a
Maria Estela Guedes (uma das poucas autoras, a par de Maria de
FátimaMarinho, a dissecar o trabalho do autor, a primeira, e a fixar-lhe
a biografia, a segunda).
França, Bélgica, Holanda, Dinamarca são os países
que percorre entre 1958 e 1960. Parte já depois de ter casado com Maria
Ludovina Dourado Pimentel e regressa a Lisboa com bilhete de repatriado
vindo de Antuérpia já depois do nascimento da filha Gisela Ester
Pimentel de Oliveira. Na bagagem traz quase concluídos "A Colher na
Boca" e "Os Passos em Volta".
É praticamente o mesmo o ambiente que o acolhe. As
tertúlias continuam, os cafés vão variando, os grupos também. Mantém-se a
filosofia. "Ganhar sim, mas pouco", regra de ouro como lhe chama Vítor
Silva Tavares. "Não queríamos uma profissão, escrevíamos umas coisas,
mas optávamos por um nível de vida voluntariamente baixo. Era uma máxima
para todos, e da qual Herberto não se excluía. O diferencial deste
preceito era a dose de liberdade que se pagava desta maneira, num mundo
concentracionário e fechado.
Chamávamos-lhe vagabundagem ou o que pudesse ser
entendido como tal, fazia parte do pulsar da criação artística."
Empregos circunstanciais são tudo o que é passível de ser aceite, nada
mais. Herberto torna-se então encarregado das bibliotecas itinerantes da
Fundação Calouste Gulbenkian e percorre o país, depois de ter
trabalhado como criado numa cervejaria, cortador de legumes, empacotador
de aparas de papéis, e guia de marinheiros no mundo da prostituição por
essa Europa fora. Por isso, é com alguma surpresa que os amigos veem
Herberto aceitar uma pensão vitalícia oferecida pelo Estado, era então
António Alçada Baptista secretário de Estado da Cultura.
"Onde ficava então o suplemento de liberdade sem o
qual um criador não pode nem deve viver?" A resposta é dada novamente
por Vítor Silva Tavares. "A pensão é modesta, corresponde àquele mínimo
de sustentação para que, dedicado à produção literária, possa viver a
vidinha." Já o Prémio Pessoa não. A recusa que o tornou famoso, em 1994.
Essa valia muito dinheiro e corrompia todos os seus
princípios. "Nunca ninguém acreditou que ele aceitasse o prémio. Nem ele
próprio que lho atribuíssem." Idos iam os anos de farra. As tardes
passadas no Toni dos Bifes, com tertúlia certa e plateia fixa. "Era a
hora da devoção", ou "a hora do órfão", valha o sarcasmo. Herberto
encontrava-se com Carlos de Oliveira, que admirava profundamente e de
quem sentia necessidade séria de conforto. Foi lá que, dizem-nos, a ira
tomou conta do "cidadão pacífico" ao ver a edição pirata de "O Corpo o
Luxo a Obra" (1978) dada à estampa por Luiz Pacheco. Conta-se que houve
pancadaria, mas diz quem presenciou que a única vontade do autor era
"punir o criminoso, denunciando o crime". Ira efémera, porém. Logo
desaparecida longe da "plateia" e perante a necessidade da ação. "Homem
de ambiguidades", "pleno de contrariedades". "Sedutor e facilmente
seduzível por convicções momentâneas..." Foi assim que uma tarde decidiu
alistar-se no PCP. A militância "não durou mais de cinco minutos".
Já a noite era para "todos", entre a Galega, o
Paladium, mas sobretudo o Montecarlo. Herberto, Virgílio Martinho,
Ernesto Sampaio, Pedro Oom, Fernanda Alves, Miguel Elrich, Eurico
Gonçalves eram a prata da casa. António Barahona, Luiza Neto Jorge, Luiz
Pacheco, Vítor Silva Tavares clientes assíduos. Manuel Gusmão, António
José Forte, Escada, Mário Viegas, João César Monteiro frequentadores de
ocasião. Aí, o "regabofe" era maior. Piadas e discussões, provocações,
copos até às tantas "sem constrangimentos ou obrigações familiares".
Um espírito que não lhe era assim tão natural e o levava não poucas vezes ao fastio.
África, mais precisamente Angola, é a sua tábua de salvação durante dois anos, entre 1970 e 1972 (um ano antes, Isabel Figueiredo era mãe do seu segundo filho, Daniel João Figueiredo de Oliveira). Hoje nem Angola, nem cafés, apenas a reclusão.
África, mais precisamente Angola, é a sua tábua de salvação durante dois anos, entre 1970 e 1972 (um ano antes, Isabel Figueiredo era mãe do seu segundo filho, Daniel João Figueiredo de Oliveira). Hoje nem Angola, nem cafés, apenas a reclusão.
Percorre, então, a ex-colónia como repórter do
"Notícia" e assume o seu mundo em cada artigo que publica sem deixar de
manifestar os gostos mais pessoais. Kerouac e Ginsberg, Bob Dylan são
referências que não dispensa. "Easy Rider" faz parte do seu imaginário.
Leonard Cohen, Jim Morrison, Melanie, os Beatles
fazem parte da sua galeria de eleitos. Chega a citar Patti Smith em
"Photomaton & Vox" (1979) e aconselha a leitura de Henry Miller.
Em Luanda, o trabalho de jornalista aproxima o autor
de uma realidade quotidiana menos obsessiva. No entanto, não lhe poupa o
calvário depressivo em que sempre viveu.
Psicanálise, grupanálise, terapias várias fazem parte da amargura do Eu herbertiano
São raízes dentro de um homem só. Só e apaixonado por uma mãe desaparecida oito anos após o seu nascimento. Morte abençoada, morte amaldiçoada. Ele, o poeta, emaranhado numa culpa perpétua, um vazio desesperante, num mundo de machos, onde a virilidade aniquila o choro da criança e lhe atira como consolo apenas a loucura. A do génio? De Angola traz consigo outro tempo, tempo algum. Esse tempo insular, o da ilha natal, marcado por sons, gestos e rituais. Tempo de aprendizagem, de iniciações e amputações.
São raízes dentro de um homem só. Só e apaixonado por uma mãe desaparecida oito anos após o seu nascimento. Morte abençoada, morte amaldiçoada. Ele, o poeta, emaranhado numa culpa perpétua, um vazio desesperante, num mundo de machos, onde a virilidade aniquila o choro da criança e lhe atira como consolo apenas a loucura. A do génio? De Angola traz consigo outro tempo, tempo algum. Esse tempo insular, o da ilha natal, marcado por sons, gestos e rituais. Tempo de aprendizagem, de iniciações e amputações.
Aquele tempo onde vive hoje, onde viveu ontem,
algures em Cascais, como de passagem pelos Estados Unidos, incógnito.
Invadido pelo ego. Forte. Fortíssimo. Maior que a idade, a sua e a dos
seus poemas. Ego eterno, como a eternidade que se vaticina. Ego
aglutinador da loucura. Dessa loucura dele, poeta, mestre, mais uma vez,
que mais e mais uma vez o leva a emendar, a escrever e reescrever a
obra inacabada. Obra impossível. #
Texto publicado na edição do Expresso de 28 de Agosto de 2010
Herberto Helder em Angola, numa fotografia inédita de 1961
Herberto Helder. A arte de ser único
Servidões, o novíssimo (e esgotadíssimo) livro do único poeta português vivo que verdadeiramente alvoroça a nossa pequena cena literária, é mais uma evidência a juntar ao "caso Herberto Helder": o raro caso da entrega absoluta a um percurso artístico assumido como predestinação pessoal.
O prestígio do autor, intensificado por décadas de uma exemplar recusa em contribuir para a nossa pequena feira das letras, ajudará decerto a explicar a expectativa com que foi recebido este seu novo livro. Mas, em boa verdade, o próprio livro bastaria para a justificar. Se A Faca Não Corta o Fogo (2008) reconhecidamente trouxera novas inflexões a esta poesia, Servidões não é menos surpreendente. O que nele desde logo impressiona o leitor é a assustadora criatividade de que Herberto dá provas aos 80 anos, mas não é menos notável que estes seus últimos livros, com tudo o que trazem de novo, e por vezes até de exuberantemente novo, nem por isso deixem de manter com a sua obra anterior uma coerência sem falhas.
Ou, dito de outra maneira: a mestria verbal de Herberto Helder, responsável por esse efeito quase hipnótico que a sua poesia sempre produziu - e que milagrosamente sobreviveu à transição para o registo mais rugoso inaugurado em A Faca Não Corta o Fogo -, é, em sentido muito literal, fascinante, mas não o é menos a evidência de estarmos perante um desses raros casos de entrega absoluta a um percurso artístico assumido como predestinação pessoal.
Diferente em quase tudo de Fernando Pessoa, se alguma coisa aproxima Herberto Helder, cada vez mais obviamente o poeta central da poesia portuguesa da segunda metade do século XX, daquele que desempenhou idêntico papel na primeira metade do século, será justamente essa ideia de predestinação, que em ambos é também um tópico da própria obra. "A cabeça ficara marcada, invisível, mas quando me deitava de costas, na escuridão, sentia uma queimadura na têmpora, a crosta fervendo por baixo, da nuca à testa. Interpretava-a como uma cicatriz que me acompanharia até à morte, o emblema de uma guerra assombrosa de que já esquecera os pormenores e o sentido", lê-se no texto em prosa que antecede Servidões. E um dos poemas do livro abre com estes versos pungentes, de quem sabe que a estrela do génio, se ainda tem energia para inesperadamente voltar a brilhar, não o protegerá da velhice e da morte: "uma espuma de sal bateu-me alto na cabeça,/ nunca mais fui o mesmo,/ passei por todos os mistérios simples, e agora estou tão humano: morro,/ às vezes ressuscito para fazer uma grande surpresa a mim mesmo (...)".
Talvez passe por aqui a razão de Herberto Helder ter tido, desde cedo, dois tipos de leitores: os que suspeitavam que aquela beleza sumptuosa e aterradora poderia não ser isenta de alguma arbitrariedade, e os que nela intuíam uma coerência profunda, adivinhando que tudo ali batia implacavelmente certo. Em A Faca Não Corta o Fogo, o poeta escreve: "(...) paixão: tirar,/ pôr, mudar uma palavra, ou melhor: ficar certo/ com a vírgula no meio da luz (...)".
O tributo que Herberto paga pela sua fidelidade a essa espécie de predestinação, e simultaneamente a exigência que esta lhe coloca, é a necessidade de conquistar uma singularidade absoluta. Mais do que criar beleza - "sabe Deus quanto a beleza me custa e quanto o ganho é imponderável", diz em Servidões -, talvez a verdadeira essência do seu trabalho, o propósito da sua arte, seja o de se tornar radicalmente único. É a essa luz que deve ler-se, por exemplo, o facto de, em diferentes poemas deste livro, Herberto se insurgir contra alguém que há muitos anos se apropriou de um "pequeno achado" seu, a expressão "rosa esquerda", argumentando: "roubam-me um erro apenas que acertava só comigo". Noutro poema evoca o pedido que recebeu para enviar um inédito para uma revista ("a revista onde colaboram todos"), e escreve: "E eu respondi: mando se não colaborar ninguém, porque/ nada se reparte: ou se devora tudo/ ou não se toca em nada/ (...) só colaboro na minha morte".
Que língua é esta?
Para indagar o modo como alguns dos leitores mais qualificados de Herberto vêem a posição que Servidões vem agora ocupar nesse "poema contínuo" que Herberto vai constantemente reescrevendo, o Ípsilon ouviu poetas e ensaístas de diferentes gerações - Manuel Gusmão, Rosa Maria Martelo (que assina também um texto neste suplemento), Manuel de Freitas e Diogo Vaz Pinto -, cujas opiniões vêm somar-se às que o crítico António Guerreiro exprime nos textos que assina neste suplemento.
Os vários inquiridos revelam algum consenso na convicção de que este novo livro intensifica a inflexão mais áspera que A Faca Não Corta o Fogo já trouxera a esta escrita, mas também precisam que essa linha de continuidade não impede Servidões de ser "um recomeço", para usar uma palavra que tanto Gusmão como Freitas lhe aplicam.
O próprio Herberto Helder, naquele que é, após um camoniano dístico de abertura, o primeiro poema do livro, coloca expressamente Servidões sob o signo de um renascimento: "saio hoje ao mundo,/ cordão de sangue à volta do pescoço (...)". Gusmão vê neste texto "uma certidão de nascimento", a afirmação de "um novo recomeço aos 80 anos", mas também nota que "esse recém-nascido" de que o poema fala "traz à volta do pescoço um cordão que o pode estrangular, que é uma ameaça e também uma marca do sofrimento e do trauma do nascimento".
Para Manuel Gusmão, tanto A Faca Não Corta o Fogo (2008) como Servidões "são quase uma espécie de explosão inicial". E se vê "diferenças assinaláveis" entre ambos os livros, interessa-lhe sobretudo pensar o modo como Servidões "coloca o problema da língua, a questão de saber qual é a língua desta poesia". Uma pergunta que, lembra, Rosa Maria Martelo já tinha levantado em relação a A Faca Não Corta o Fogo, mas que este novo livro "vem tornar ainda mais pertinente".
A poesia de Herberto Helder "manteve sempre com o português europeu uma relação impressionantemente viva", diz Gusmão, mas em Servidões fica "definitivamente afastada qualquer ideia de pureza da língua". Se já em A Faca Não Corta o Fogo o poeta "convocava outras línguas, como o francês", e irritava os "puristas do português" com "efeitos que pareciam brasileirismos fonéticos e sintácticos", neste novo livro "a sabotagem é agora feita do interior da língua, misturando contextos discursivos e linguísticos e alterando a hierarquia dos diferentes níveis de utilização da língua". Um bom exemplo desse trânsito constante entre diferentes níveis de que fala Gusmão é o extraordinário poema que abre com o verso "cheirava mal, a morto, até me purificarem pelo fogo", no qual um falecido Herberto Helder fala, na primeira pessoa, do destino dado ao seu corpo e à sua obra. Como se vê neste breve excerto, em poucos versos vai-se de "Deus" à "merda" e dos "esgotos" a uma "vita nuova" de ecos dantescos: "que Deus, ou o equívoco dos peixes, ou a ressaca,/ o receba como ambrosia sutilíssima nas profundas dos esgotos,/ merda perpétua,/ e fique enfim liberto do peso e agrura do seu nome:/ vita nuova para este rouxinol dos desvãos do mundo (...)".
Há em Servidões "um vocabulário obsceno que era muito raro nos primeiros livros do autor", observa Gusmão, e também "um léxico satírico" no qual o ensaísta intui "a presença de Mário Cesariny". Gusmão elogia ainda a "audácia" de Herberto em deixar entrar na sua poesia palavras como "cuecas", que surge num breve poema altamente aliterativo: "no mais carnal das nádegas/ as marcas/ das frescas cuecas".
Logo a seguir ao texto em prosa que abre o volume, dois versos isolados, funcionando como uma espécie de epígrafe, parecem querer assumir um tom deliberadamente camoniano: "dos trabalhos do mundo corrompida/ que servidões carrega a minha vida". Manuel Gusmão recorda que "sempre houve nesta poesia, desde os primeiros livros, toques camonianos", e atribui o fascínio de Herberto ao facto de ter sido Camões que, em muitos sentidos, "inventou a língua em que a poesia portuguesa se escreve". Mas a presença do poeta quinhentista neste último livro parece-lhe assumir contornos particulares: "Reconheço que ainda não pensei isto bem, mas é como se Herberto Helder viesse fechar o ciclo aberto por Camões, como se tivesse a audácia de se despedir de uma língua como quem se despede de uma vida, num momento em que estamos sob ocupação política".
Rosa Maria Martelo também recorre ao já referido poema que Herberto terá escrito no seu 80.º aniversário, e cujo verso final é "iminente para sempre", para sugerir que Servidões vem fechar a obra, mas fechá-la de um modo em que esse "poema perfeito prometido" citado no final de outro poema, esse "desejo absoluto de perfeição", estará para sempre iminente no poema que fica feito".
Um livro final
Diogo Vaz Pinto, poeta, crítico e co-responsável da editora Língua Morta e da revista Criatura, confessa que embora já gostasse da poesia de Herberto Helder antes de A Faca Não Corta o Fogo, não achava que esta fosse "uma espécie de revelação última". Reconhecia-lhe o mérito de ter conseguido conciliar "a liberdade do surrealismo" com uma "disciplina" que não a deixava cair no "caos lírico", e constatava que "depois de ler Herberto Helder continuava a ouvir a música, aquela voz ia ficando". Mas foi o livro de 2008, ou mais precisamente o ter ouvido o livreiro Changuito, que entretanto se radicou no Brasil, a ler em voz alta alguns poemas de A Faca Não Corta o Fogo, que o deixou "abismado": "Mais do que um poema, aquilo era um discurso político dirigido a uma comunidade, ao mundo, era alguém a ascender à condição máxima do humano para, chegado a essa altura, dizer uma coisa que vai para lá do literário e que tem uma humanidade profunda."
E Diogo Vaz Pinto acha que esta dimensão política e cívica "está ainda mais radicalizada" em Servidões. "É um livro que interessa a muita gente que não se interessa por poesia, com indicações muito fortes para dentro e para fora da literatura, e também para o momento histórico que vivemos." Para "a gente da geração de Herberto", sugere Vaz Pinto, "estes últimos seis ou sete anos no mundo devem ter sido uma coisa incrível: já antes se via que isto ia por mau caminho, mas aí percebeu-se que estava tudo entregue à bicharada".
Vendo em Servidões mais "um passo adiante" do que algo essencialmente diferente de A Faca Não Corta o Fogo, Diogo Vaz Pinto acha, ainda assim, que há agora "uma força testamentária", um "dizer as últimas palavras" que não se sente no livro anterior. "Não importa se escreverá ou não outros livros, este será sempre um livro final."
Partindo da ideia de que "a poesia é um discurso que está ao mesmo tempo antes e depois da História", o autor de Nervo profetiza: "Estes poemas dizem-nos muito a nós que estamos a passar por tudo isto, mas no fim vão acabar por ser sobretudo um testemunho muito claro de como um poeta pode ascender a um verdadeiro estado de graça."
E confrontando Herberto com Fernando Pessoa, diz que o segundo dominava a língua, mas que o primeiro "fez uma coisa mais interessante: construiu a sua própria língua a partir do português". Esta noção de que Herberto, sem quebrar as amarras com o português, desenvolveu uma língua própria é partilhada por Rosa Maria Martelo, que chama a atenção para o modo como essa "conquista de uma gramática pessoal se vem mesmo intensificando nos últimos livros".
Do demiurgo ao cidadão
O poeta e crítico Manuel de Freitas, co-editor da Averno e da revista Telhados de Vidro, onde Herberto publicara um dos textos que agora recupera na prosa que abre Servidões, está de acordo com Gusmão ao ver neste livro "um recomeço", algo "extremamente improvável", acrescenta, "quando se tem a idade e o percurso de Herberto Helder". Também não se afasta muito dos restantes inquiridos, e sobretudo de Diogo Vaz Pinto, quando, recorrendo a duas expressões do próprio poeta, descreve a natureza desse recomeço como "uma substituição do "canto inteiro" por uma "fala cantante" mais rente à linguagem comum e ao mundo", entendido "num sentido histórico e já não exultantemente atemporal". Uma substituição que Manuel de Freitas considera "brutal", dando como exemplo um poema de Servidões em que as mães, "tema obsessivo" da poesia de Herberto, "adquirem uma concisão aterradora": "as manhãs começam logo com a morte das mães (...)". E para se ver a dimensão da mudança de registo, sugere este excerto retirado do livro Do Mundo (1994): "áureas/ mães aracnídeas furando os ganchos nos tecidos suaves/ rasgando nos tecidos/ os orifícios/ vermelhos".
A tese de Freitas, e nisto já começa a não coincidir exactamente com nenhum dos outros poetas e ensaístas ouvidos, é a de que Herberto Helder "chegara em Do Mundo a uma espécie de limite intransponível", a partir do qual "não havia futuro para aquela música arrebatada e quase intemporal". O mesmo Herberto que em Do Mundo reconhece que não pode "escrever mais alto" diz num verso de Servidões que quer "encontrar uma voz paupérrima", nota Manuel de Freitas.
Após ter chegado em Do Mundo ao "grau máximo de beleza", ao tal "canto inteiro" que, justamente por ser inteiro, "não era continuável", Herberto Helder, lembra Freitas, não publicou nenhum livro durante muitos anos. Até surgir, em 2008, A Faca Não Corta o Fogo, no qual vê "um retorno à "áspera beleza" e à "átona música mínima"" que, defende, "já se deixavam ler em certas passagens de Os Passos em Volta, de Photomaton & Vox ou até do renegado Apresentação do Rosto".
O poeta de Game Over e Boa Morte observa que essa "violência" que muitos têm detectado nos dois últimos livros de Herberto Helder, sendo "pouco habitual" na poesia anterior, sempre foi "omnipresente" na sua prosa. Mas o salto mais arriscado da sua tese é aquele em que sugere que assistimos, em A Faca Não Corta o Fogo e Servidões, à "lenta e rude passagem do demiurgo ao cidadão civil". #
Herberto Helder, o poeta que recusou o Prémio Pessoa
por Lusa
Considerado
um dos maiores poetas portugueses, Herberto Helder, que morreu
segunda-feira aos 84 anos, deu a sua última entrevista em 1968 e recusou
o Prémio Pessoa na década de noventa, rejeitando quase sempre o
mediatismo literário.
Herberto
Helder Luís Bernardes de Oliveira nasceu a 23 de novembro de 1930 no
Funchal, ilha da Madeira, no seio de uma família de origem judaica.
Aos 16 anos viajou para Lisboa para frequentar o liceu, tendo posteriormente ingressado na Faculdade de Direito de Coimbra.
Em 1949, mudou para a Faculdade de Letras, onde frequentou o curso de Filologia Romântica, que não chegou a concluir.
De regresso a Lisboa, passou a viver "por razões pessoais" numa 'casa de passe' e começou a trabalhar na Caixa Geral de Depósitos e posteriormente como angariador de publicidade.
Em 1954, data da publicação do seu primeiro poema, em Coimbra, regressou à Madeira, onde trabalhou como meteorologista.
Quando regressou a Lisboa, em 1955, frequentou o grupo do Café Gelo, formado por figuras como Mário Cesariny, Luiz Pacheco, Hélder Macedo, João Vieira e António José Forte.
Trabalhou como delegado de propaganda médica e redator de publicidade durante três anos e em 1958 publicou o seu primeiro livro, "O Amor em Visita".
Nos anos seguintes viveu em França, Holanda e Bélgica, como operário, empregado numa cervejaria, cortador de legumes, empacotador de aparas de papel e policopista, tendo mesmo vivido na clandestinidade em Antuérpia, onde foi guia de marinheiros no submundo da prostituição.
Regressado a Portugal em 1960, tornou-se encarregado das bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, profissão que o fez percorrer vilas e aldeias do Baixo Alentejo, Beira Alta e Ribatejo.
Foi para Angola em 1971, trabalhar numa revista. Como repórter de guerra, sofreu um grave acidente e esteve hospitalizado três meses.
Regressou a Lisboa e partiu novamente, agora para os Estados Unidos, em 1973, ano em que publicou "Poesia Toda", reunindo a sua produção poética até à data, e fez uma tentativa falhada de publicar "Prosa Toda".
A Portugal, voltaria só depois do 25 de Abril, já em 1975, para trabalhar na rádio e em revistas, como meio de sobrevivência, tendo sido editor da revista literária Nova, de que se publicaram apenas dois números.
Da sua poesia, escreveu o crítico literário e responsável pela primeira edição brasileira da poesia de Herberto Helder publicada no Brasil, em 2000, Jorge Henrique Bastos, que o poeta "impulsiona a viva encantação das palavras [e que] o abalo que a sua poesia provoca é um dos mais profundos que a literatura de língua portuguesa já sofreu".
Já neste século, o poeta voltou a editar pela Porto Editora, nomeadamente a sua poesia completa em "Poemas completos", obra que segue a fixação empregue na edição anterior, "Ofício cantante", e inclui os esgotados "Servidões", que foi considerado pela crítica literária como o livro do ano em 2013, e "A morte sem mestre", o livro de inéditos escrito em 2013 e publicado em 2014, numa edição limitada.
Herberto Helder morreu na segunda-feira aos 84 anos na sua casa em cascais e segundo fonte familiar haverá uma cerimónia fúnebre privada apenas para a família. #
Aos 16 anos viajou para Lisboa para frequentar o liceu, tendo posteriormente ingressado na Faculdade de Direito de Coimbra.
Em 1949, mudou para a Faculdade de Letras, onde frequentou o curso de Filologia Romântica, que não chegou a concluir.
De regresso a Lisboa, passou a viver "por razões pessoais" numa 'casa de passe' e começou a trabalhar na Caixa Geral de Depósitos e posteriormente como angariador de publicidade.
Em 1954, data da publicação do seu primeiro poema, em Coimbra, regressou à Madeira, onde trabalhou como meteorologista.
Quando regressou a Lisboa, em 1955, frequentou o grupo do Café Gelo, formado por figuras como Mário Cesariny, Luiz Pacheco, Hélder Macedo, João Vieira e António José Forte.
Trabalhou como delegado de propaganda médica e redator de publicidade durante três anos e em 1958 publicou o seu primeiro livro, "O Amor em Visita".
Nos anos seguintes viveu em França, Holanda e Bélgica, como operário, empregado numa cervejaria, cortador de legumes, empacotador de aparas de papel e policopista, tendo mesmo vivido na clandestinidade em Antuérpia, onde foi guia de marinheiros no submundo da prostituição.
Regressado a Portugal em 1960, tornou-se encarregado das bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, profissão que o fez percorrer vilas e aldeias do Baixo Alentejo, Beira Alta e Ribatejo.
Foi para Angola em 1971, trabalhar numa revista. Como repórter de guerra, sofreu um grave acidente e esteve hospitalizado três meses.
Regressou a Lisboa e partiu novamente, agora para os Estados Unidos, em 1973, ano em que publicou "Poesia Toda", reunindo a sua produção poética até à data, e fez uma tentativa falhada de publicar "Prosa Toda".
A Portugal, voltaria só depois do 25 de Abril, já em 1975, para trabalhar na rádio e em revistas, como meio de sobrevivência, tendo sido editor da revista literária Nova, de que se publicaram apenas dois números.
Da sua poesia, escreveu o crítico literário e responsável pela primeira edição brasileira da poesia de Herberto Helder publicada no Brasil, em 2000, Jorge Henrique Bastos, que o poeta "impulsiona a viva encantação das palavras [e que] o abalo que a sua poesia provoca é um dos mais profundos que a literatura de língua portuguesa já sofreu".
Já neste século, o poeta voltou a editar pela Porto Editora, nomeadamente a sua poesia completa em "Poemas completos", obra que segue a fixação empregue na edição anterior, "Ofício cantante", e inclui os esgotados "Servidões", que foi considerado pela crítica literária como o livro do ano em 2013, e "A morte sem mestre", o livro de inéditos escrito em 2013 e publicado em 2014, numa edição limitada.
Herberto Helder morreu na segunda-feira aos 84 anos na sua casa em cascais e segundo fonte familiar haverá uma cerimónia fúnebre privada apenas para a família. #
Herberto Hélder (1930-2015): Photomaton & voz
Na morte de Herberto Hélder, recuperamos Photomaton & voz, o artigo de Maria Leonor Nunes para o JL em Outubro de 2008.
Subtrai-se por vontade às andanças da Literatura, cega o espaço à sua
volta, vive à margem do sistema literário e não só, num certo
resguardo. O retrato de Herberto Hélder compõe-se em movimento e em
negativo. Nem prémios - recusou mesmo o avultado Pessoa, em 1994 -, nem
entrevistas, nem fotografias nos jornais, nem falatório mediático, nem
conversas com leitores. Nada. São raríssimas as imagens em que ficou
retratado. Não se lhe conhecem entrevistas, sequer umas declarações nas
últimas décadas. Há apenas a remota lembrança, quase lenda, de uma ou
outra entrevista inicial como aquela a Fernando Ribeiro de Mello,
publicada em Maio de 1964, no Jornal de Letras e Artes. Nela, o
poeta, que já tinha cinco livros editados, recusava a ideia de evolução
na sua produção poética. "Em certo sentido (que também prezo), não houve
evolução. Esse sentido é o da fidelidade às bases da minha experiência -
a descoberta do modo - que, fundamentalmente, se cumpriu na infância. A
experiência exterior poderá ser considerada simples desenvolvimento ou
enriquecimento 'em linguagem'. A minha poesia processou sempre, como é
evidente, exercer-se sobre essa massa central e viva. Mas a experiência
humana é apenas ponto de partida, núcleo sólido e permanente onde
assenta a experiência posterior da criação". E noutro passo, acrescenta:
"O prestígio que possa ter alcançado (prestígio equívoco no qual se
integra a malquerença de alguma gente, que aceito com satisfação) não
poderia constituir uma poltrona. O prestígio é uma armadilha dos nossos
semelhantes. Um artista consciente saberá que o êxito é prejuízo.
Deve-se estar disponível para decepcionar os que confiaram em nós.
Decepcionar é garantir o movimento".Numa outra entrevista à revista Luzes de Galiza,
em 1987, sublinhava "Todos os poemas são canções de eco, procuram ser
confirmados. De que sítio se lança a voz, que género de confirmação se
pretende? A confirmação, sempre, do poema a si mesmo e em si mesmo". E
mais adiante: "Há quem se ponha no centro de câmaras ecoantes: e os ecos
chegam de todos os lados: as respostas caóticas, o êxito, o erro, a
morte da alma (...) Quanto ao mundo, o poema espera tudo dele menos o
equívoco, embora seja o equívoco aquilo que se encontra mais à mão no
mundo". Herberto Hélder faz parte de um número muito restrito de
escritores, tal como por exemplo Thomas Pynchon, que recusa a ribalta, o
espectáculo. Manuel Alegre admira nele justamente esse "estilo de vida
que rima com a sua poesia, o distanciamento da literatice, dos prémios,
do academismo com tudo o que isso implica de renúncia".
Todos os superlativos
Sabe-se dele a poesia infinitamente escrita e reescrita, feita e refeita longe do mundo e da mundanidade. "O feroz magma da magia, os raios lacerados do entendimento transmutador, a solar gnose do corpo total, a obscura cintilação dos abismos transpsíquicos enodoam-se na lenta e ampla voz da sua escrita repetida como uma encantação", conforme escreveu Joaquim Manuel Magalhães num dos textos de Os dois crepúsculos.
Uma obra que se distingue por um poder criador que "soube organizar um universo inconfundível e servido por uma transbordante energia verbal", segundo Fernando Pinto do Amaral. Ou a capacidade inovadora sublinhada por Manuel Alegre ao JL no tema dedicado a Herberto Hélder em 1994 (JL 626): "Depois de Camilo Pessanha e de Fernando Pessoa, Herberto foi aquele que mais revolucionou a poesia portuguesa". Na mesma altura, Agustina Bessa-Luís ia mais longe: "Usem todos os superlativos". E todos não serão de mais para uma tão extraordinária poética, que surpreendeu o meio literário desde o primeiro verso de O amor em visita, publicado em 1958, na Contraponto de Luiz Pacheco. E que desde logo se afirmou por uma profunda novidade que muitos poemas mais tarde seria uma herança viva para a Literatura Portuguesa.
A colher na boca (1961), Os passos em volta (1963), A Máquina Lírica, primeiro editado com o título Eletrónicolirica (1964), Húmus, Retrato em Movimento (1967), Cobra (1977), Photomaton & vox (1979), A cabeça entre as mãos, (1982), A última Ciência (1988) são alguns dos seus livros. Muitos foram reescritos sucessivas vezes em sucessivas edições. Todos de referência.
O profeta da poesia
De Herberto, além das palavras, e da sua "oficina" alquímica da linguagem, sabem-se meia dúzia de coisas que talvez não cheguem para clarificar a sua existência deliberadamente obscura. Mas provavelmente bastam para um photomaton biográfico. Nasceu a 23 de Novembro de 1930, no Funchal. A mãe morreu quando tinha oito anos. Fez o 5.º ano do Liceu na Madeira e em meadosdos anos 40 veio estudar para Lisboa. Feito o 7.º ano seguiu para a Universidade de Coimbra. Na parede do "Palácio da Loucura", a república onde vivia, deixou gravado um verso: "O senhor do monóculo /usava uma boca desdenhosa /e na botoeira, a insolência /de uma rosa / - Era o poeta".Começou por estudar Direito, depois mudou-se para Filologia românica e frequentou um curso de Ciências Pedagógicas. Andava teso como a generalidade dos estudantes, uma "simpática miséria, com poucos cobres, muitos copos, comezainas e altas discussões pela calada da noite", como recordava o psiquiatraManuel Louzã Henriques, companheiro desses tempos. Tal como Manuel Alegre que já então o considerava o "profeta" da poesia. E um dia Herberto largou a Universidade e demandou Lisboa para ser poeta.
Trabalhou na Caixa Geral de Depósitos e como angariador de publicidade do Anuário Comercial Português, regressando depois ao Funchal, onde trabalhou no Serviço Metereológico Nacional. De novo em Lisboa, passa pelo Instituto Pasteur, como delegado de propaganda médica. Depois de ter publicado alguns poemas avulsos e colaborado em algumas publicações, nomeadamente nos Cadernos do Meio-Dia e nas Folhas de Poesia, saiu do país. Viveu em França, Bélgica, Holanda e Dinamarca e foi empregado de cervejaria, cortador de legumes, enfardador de aparas de papel, policopista, carregador de camiões, ajudante de pasteleiro, guia de marinheiros em bairros de prostituição. Em 1961, é repatriado. Colaborou em vários jornais, suplementos literários e em 1971 foi para Angola. Lá fez várias reportagens para a revista Notícia, onde continuou já de novo em Lisboa. Uma entrevista com o cantor brasileiro Nelson Ned e uma reportagem sobre um derby Sporting-Benfica, a que chamou Uma ida ao campo, são alguns dos seus louros jornalísticos dessa época.
Também foi director literário da editorial Estampa, funcionário do serviço de Bibliotecas Itinerantes da Fundação Gulbenkian, revisor tipográfico, redactor de noticiários da RDP, ou de publicidade. E andou por muitos cafés, mais ou menos literários, do Gelo ou do Royal ao Monte Carlo e ao Toni dos Bifes, passando pelo Expresso ou pelo Águia d'Ouro, nas escadinhas do Duque. Os que o conhecem, os que tiveram o privilégio de o ouvir falar, rir em cavaqueira, comprovam que os poemas têm a medida daquele que os cria. Foi o que constatou o cineasta João César Monteiro, como afirmou nessa edição do JL: "De vez em quando, ele soltava umas que iluminavam as tardes".
Os outros que só o escutam nos livros sabem que é uma voz única, um flash, um clarão de poesia. Pouco importa a imagem, as feições ténues que conhecemos das poucas fotografias todas muito antigas. O seu rosto, a sua fala, a sua biografia é poema. Ou o poeta é acto. Ou como dizia Herberto Hélder à Luzes de Galiza: "Porque é obrigatório dizê-lo: pouca gente tem ouvidos puros. Ou mãos limpas. Ler bem um poema é poder fazê-lo, refazê-lo: eis o espelho, o mágico objecto do reconhecimento, o objecto activo de criação do rosto. O eco visual se quanto a rostos fosse apenas tê-los fora e ver. Porque o mostrado e o visto são a totalidade daquilo que se mostra e vê - o nome: revelação". #
Sabe-se dele a poesia infinitamente escrita e reescrita, feita e refeita longe do mundo e da mundanidade. "O feroz magma da magia, os raios lacerados do entendimento transmutador, a solar gnose do corpo total, a obscura cintilação dos abismos transpsíquicos enodoam-se na lenta e ampla voz da sua escrita repetida como uma encantação", conforme escreveu Joaquim Manuel Magalhães num dos textos de Os dois crepúsculos.
Uma obra que se distingue por um poder criador que "soube organizar um universo inconfundível e servido por uma transbordante energia verbal", segundo Fernando Pinto do Amaral. Ou a capacidade inovadora sublinhada por Manuel Alegre ao JL no tema dedicado a Herberto Hélder em 1994 (JL 626): "Depois de Camilo Pessanha e de Fernando Pessoa, Herberto foi aquele que mais revolucionou a poesia portuguesa". Na mesma altura, Agustina Bessa-Luís ia mais longe: "Usem todos os superlativos". E todos não serão de mais para uma tão extraordinária poética, que surpreendeu o meio literário desde o primeiro verso de O amor em visita, publicado em 1958, na Contraponto de Luiz Pacheco. E que desde logo se afirmou por uma profunda novidade que muitos poemas mais tarde seria uma herança viva para a Literatura Portuguesa.
A colher na boca (1961), Os passos em volta (1963), A Máquina Lírica, primeiro editado com o título Eletrónicolirica (1964), Húmus, Retrato em Movimento (1967), Cobra (1977), Photomaton & vox (1979), A cabeça entre as mãos, (1982), A última Ciência (1988) são alguns dos seus livros. Muitos foram reescritos sucessivas vezes em sucessivas edições. Todos de referência.
O profeta da poesia
De Herberto, além das palavras, e da sua "oficina" alquímica da linguagem, sabem-se meia dúzia de coisas que talvez não cheguem para clarificar a sua existência deliberadamente obscura. Mas provavelmente bastam para um photomaton biográfico. Nasceu a 23 de Novembro de 1930, no Funchal. A mãe morreu quando tinha oito anos. Fez o 5.º ano do Liceu na Madeira e em meadosdos anos 40 veio estudar para Lisboa. Feito o 7.º ano seguiu para a Universidade de Coimbra. Na parede do "Palácio da Loucura", a república onde vivia, deixou gravado um verso: "O senhor do monóculo /usava uma boca desdenhosa /e na botoeira, a insolência /de uma rosa / - Era o poeta".Começou por estudar Direito, depois mudou-se para Filologia românica e frequentou um curso de Ciências Pedagógicas. Andava teso como a generalidade dos estudantes, uma "simpática miséria, com poucos cobres, muitos copos, comezainas e altas discussões pela calada da noite", como recordava o psiquiatraManuel Louzã Henriques, companheiro desses tempos. Tal como Manuel Alegre que já então o considerava o "profeta" da poesia. E um dia Herberto largou a Universidade e demandou Lisboa para ser poeta.
Trabalhou na Caixa Geral de Depósitos e como angariador de publicidade do Anuário Comercial Português, regressando depois ao Funchal, onde trabalhou no Serviço Metereológico Nacional. De novo em Lisboa, passa pelo Instituto Pasteur, como delegado de propaganda médica. Depois de ter publicado alguns poemas avulsos e colaborado em algumas publicações, nomeadamente nos Cadernos do Meio-Dia e nas Folhas de Poesia, saiu do país. Viveu em França, Bélgica, Holanda e Dinamarca e foi empregado de cervejaria, cortador de legumes, enfardador de aparas de papel, policopista, carregador de camiões, ajudante de pasteleiro, guia de marinheiros em bairros de prostituição. Em 1961, é repatriado. Colaborou em vários jornais, suplementos literários e em 1971 foi para Angola. Lá fez várias reportagens para a revista Notícia, onde continuou já de novo em Lisboa. Uma entrevista com o cantor brasileiro Nelson Ned e uma reportagem sobre um derby Sporting-Benfica, a que chamou Uma ida ao campo, são alguns dos seus louros jornalísticos dessa época.
Também foi director literário da editorial Estampa, funcionário do serviço de Bibliotecas Itinerantes da Fundação Gulbenkian, revisor tipográfico, redactor de noticiários da RDP, ou de publicidade. E andou por muitos cafés, mais ou menos literários, do Gelo ou do Royal ao Monte Carlo e ao Toni dos Bifes, passando pelo Expresso ou pelo Águia d'Ouro, nas escadinhas do Duque. Os que o conhecem, os que tiveram o privilégio de o ouvir falar, rir em cavaqueira, comprovam que os poemas têm a medida daquele que os cria. Foi o que constatou o cineasta João César Monteiro, como afirmou nessa edição do JL: "De vez em quando, ele soltava umas que iluminavam as tardes".
Os outros que só o escutam nos livros sabem que é uma voz única, um flash, um clarão de poesia. Pouco importa a imagem, as feições ténues que conhecemos das poucas fotografias todas muito antigas. O seu rosto, a sua fala, a sua biografia é poema. Ou o poeta é acto. Ou como dizia Herberto Hélder à Luzes de Galiza: "Porque é obrigatório dizê-lo: pouca gente tem ouvidos puros. Ou mãos limpas. Ler bem um poema é poder fazê-lo, refazê-lo: eis o espelho, o mágico objecto do reconhecimento, o objecto activo de criação do rosto. O eco visual se quanto a rostos fosse apenas tê-los fora e ver. Porque o mostrado e o visto são a totalidade daquilo que se mostra e vê - o nome: revelação". #
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Na morte de Herberto Helder | Adelto Gonçalves | ||
Retratos digitais de Herberto Helder | João Dionísio | ||
O rio camoniano | Maria Estela Guedes | ||
Mestre sem morte | Maria Azenha | ||
Cobra, de Herberto Helder | Joana Ruas | ||
Três autores malditos: Herberto
Helder, Luiz Pacheco e Manuel de Castro | Maria Estela Guedes |
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Mestre Herberto Helder | Maria Estela Guedes | ||
Sobre Manuel de
Castro - Um texto de Herberto Helder Por Maria Estela Guedes |
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Herberto Helder,
Cobra, Dispersão Poética . Edição Evolutiva Por Patrícia Alexandra Matias Gomes dos Santos de Antunes |
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Aos amigos, poema dito por António Cardoso Pinto | ||
Herberto Helder: É e não é um poeta surrealista.
Por Maria Estela Guedes |
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Estranhas experiências ao Ofício Cantante de Herberto Helder Por Victor Brum Calaça |
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Artigos na Notícia | ||
2009 | ||
Lapinha do Caseiro | ||
Declaram que a melhor maneira de contemplar a natureza é de cima de uma bicicleta (Marilyn Monroe dixit)... | ||
Herberto Helder entrevistado por Fernando Ribeiro de Mello | ||
A Faca Não Corta o Fogo — Súmula & Inédita | ||
Herberto Helder,
percurso biográfico : Maria de Fátima Marinho |
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HH E O PRÉMIO PESSOA : António Alçada Baptista e Clara Ferreira Alves |
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Herberto Helder redivivo em edição espanhola |
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POEMAS & OUTROS TEXTOS | ||
Minha cabeça estremece (áudio) | ||
Herberto Helder em São Paulo | ||
Herberto Helder na Real República Palácio da Loucura | ||
Súmula | ||
(a carta da paixão) | ||
O amor em visita | ||
As musas cegas | ||
Exemplo | ||
Êxodo | ||
Herberto Helder em versão ciber-Zen: Rui Eduardo Paes | ||
ANTONY C. BEZERRA:
A Poética de Herberto Helder: o ponto de partida |
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MAGENS DA PAIXÃO COM PALAVRAS DE HERBERTO HELDER | ||
Bibliografia por João Ribeirete e Margarida Reis (pdf) (Em: http://www.instituto-camoes.pt/cvc/bdc/revistas/textosepretextos/vol1/bibliografia.pdf ) |
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Desde
O Amor em Visita, 1958, até mais recentemente, em Do Mundo, 1994,
passando por Electronicolírica, 1964, e por Última Ciência, 1988, a sua
poesia atravessa várias correntes literárias, manifestando uma escrita
muito singular e trabalhada, sendo exemplo de um conseguimento sem
falhas, sem debilidades nem concessões. Na ficção, Os Passos em Volta,
1963 (contos), revela o mesmo tipo de elaboração linguística cuidada e
encara a problemática da deambulação humana, em demanda ou em dispersão
do seu sentido e da sua inteireza. Obras: Poesia – O Amor em Visita
(1958), A Colher na Boca (1961), Poemacto (1961), Retrato em Movimento
(1967), O Bebedor Nocturno (1968), Vocação Animal (1971), Cobra (1977), O
Corpo o Luxo a Obra (1978), Photomaton & Vox (1979), Flash (1980), A
Cabeça entre as Mãos (1982), As Magias (1987), Última Ciência (1988),
Do Mundo, (1994), Poesia Toda (1º vol. de 1953 a 1966; 2º vol. de 1963 a
1971) (1973), Poesia Toda (1ª ed. em 1981), Ou o Poema Contínuo (2ª.
ed., 2004);
A faca não corta o fogo (2008); Servidões (2013); A morte sem mestre
(2014) . Ficção – Os Passos em Volta (1963).
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